Monday, November 22, 2004

Carta aberta de Daniel Sampaio

Amigos,
Vale (mesmo) a pena ler...

Carta aberta à geração dos meus filhos

"Meus Amigos:

Confio em vocês.

Sou a favor do fosso intergeracional e adoro que os mais novos não concordem com os mais velhos. As sociedades avançam por rupturas, as famílias crescem emocionalmente quando se confrontam sem se afrontarem. Cresci numa família democrática.
Os meus pais estimulavam a discussão com os dois filhos e não se importavam de gastar horas a defender os seus pontos de vista.
Foi assim que aos doze anos comecei a entender a democracia, quando o meu irmão, sete anos mais velho, me explicou Humberto Delgado.

Não quero recordar-vos Salazar e Caetano. Sei que isso está fora do nosso(meu e vosso) tempo. Apenas quero reivindicar uma coisa: os corajosos da minha geração fizeram o 25 de Abril de 1974 para que vocês, geração dos meus filhos, crescessem em liberdade. Quando digo a alguém da vossa idade que, há trinta anos, não se podia dizer tudo o que apetecia, quase não acreditam.

Compreendo: viveram a poder exclamar o amor e a saudade, a ternura e a raiva. Quando queriam, puderam romper, sem medo, com tudo com que não concordavam. É por isso que peço para estarem muito atentos. Não uso frases do passado, género «fascismo nunca mais» ou «a democracia está em perigo».

Não é verdade, e são expressões que vos causam tédio. Quero apenas dizer-vos que, se não ousarem, falharão no essencial: deixarão de construir uma sociedade melhor para os vossos filhos (nesse aspecto, os «velhos» não falharam, vive-se hoje bem melhor do que na juventude dos meus pais). Pois bem: vejam o «governo» da República. Portugal transformou-se no paraíso dos humoristas. Existem tantas graças sobre os nossos «governantes», que se atropelam nas cabeças dos criativos de humor. E se tantas vezes não sabemos se a «Sit Down Comedy» de Luís F! il! ipe Borges, neste jornal, ou as páginas do Inimigo Público são notícias a brincar ou descrições realistas, a verdade é que nos assalta a certeza de que Portugal vai mal.

Nesta semana vi estudantes espancados e a levarem com gás, como era habitual no meu tempo, mas julgava impossível no vosso tempo; ouvi o director-geral das Prisões a propor a redução das visitas aos presos, para melhorar o problema da droga no sistema prisional; e indignei-me com o ministro da Presidência a falar dos limites à independência, a propósito da televisão pública.

Se deixarmos estes factos sem protesto, o risível «governo» que temos proporá mais: voltarão os jactos de tinta e mais prisões sobre estudantes; serão definitivamente proibidas as visitas aos presos, e o problema da droga no sistema será resolvido; os directores de programação das televisões e os directores de alguns jornais reportarão directamente ao ministro da tutela; o insucesso escolar acabará, graças a um despacho da prof. Maria do Carmo Seabra: todos os alunos com duas negativas no Natal serão automaticamente expulsos da escola.

E o «governo» continuará a sorrir, centenas de conselheiros de imagem ajeitarão as gravatas dos ministros e o cabelo das ministras, todos dirão que tudo vai bem. Sei que vocês não aguentarão mais.

Ouço-vos em toda a parte, por enquanto em surdina, em breve até que a voz vos doa. E por isso vos peço: ajudem a derrubar este governo. Pela verdade e dignidade da vossa geração. Para que, tal como os vossos pais quando contaram 1974, possam dizer aos vossos filhos: sabes, fizemos um segundo 25 de Abril, só com arte e coragem, e o governo foi-se embora

"Com toda a v(n)ossa força Daniel Sampaio"

9 comments:

ZP said...

Não deixa de ser um pouco irónico que o principal responsável pela colocação deste governo no poder foi o irmão do autor da carta. No entanto concordo com tudo o que está aqui escrito, e penso que não vai ser preciso uma grande luta para que este governo caia, basta esperar pelas próximas eleições. Pelo menos assim espero...

Ana said...

Esperemos que assim seja, ZP.

PS- Ei,. Ganda, bigada por teres arranjado o texto...não consegui ver como é que eu o podia arranjar...só depois de o postar é que reparei como ficou...:S

ganda said...

1º e antes demais um aparte: agora que parece que aquela malfadada (ou talvez não) discussão sobre os EUA está a chegar a mais ou menos um consenso (pq aqui tb n queremos fazer lavagens cerebrais a ng), iniciamos um debate muito mais importante (na minha singela opinião) do que o já referido. O meu receio é que por talvez existir maior concordancia de opinião este debate de ideias fique (muito) aquém do outro (estamos no 50!! coments). vamos ver.


Agora do texto propriamente dito. realmente é curioso que seja o irmão do presidente que resolveu a manutenção de um governo em funções mas com um novo cabecilha(!!), que o escreve. Daniel Sampaio é concerteza (e na minha singela opinião) um dos melhores pensadores da actualidade.
É mais ou menos claro para todos nós que as coisas não vão muito (nem pouco) bem. Mas se pensarmos, será que alguma vez esteve?? Talvez tenha estado melhor, ou talvez nos tenham levado a pensar isso. Não sou do tipos da teoria da conspiração (aka Markl) mas às vezes dá que pensar.

É obvio que toda a gente gostaria de ter um grande carrão, um plasma e uma piscina, mas será que isso significaria que estavamos (a sociedade em geral) bem?

Volta aqui a história do altruísmo: quando todos temos pouco, todos reclama-mos; mas se passar-mos para o outro lado da bandeira, nem liga-mos a quem reclama...

Quais serão as soluções para melhorar o país? Dar mais bolsas aos investigadores? Ou melhor faze-los todos funcionarios publicos, cheios daquelas regalias e tal? Pois se calhar para mim isso até era confortável, talvez eu me esquece-se que as coisas vão mal, aos outros...

Mário Soares dizia ainda há poucos dias que se não vivessemos na Europa que já tinhamos sofrido um golpe de estado militar... (??) Eu pergunto, isso seria bom ou seria mau? Quando criticamos os países onde isso acontece discriminadamente? Eu sei que "as coisas estão do pior" mas a solução qual é? deitar indiscriminadamente abaixo os governos quando alguma coisa está mal? Ou é votar?

...

Ana said...

Concordo com praticamente tudo o que o Daniel Sampaio referiu. Que estamos necessitados de uma nova revolução. Desculpem lá, mas a mim não caiu nada bem a nomeação do Santana Lopes...:-S.
Mal ou bem, o povo VOTOU LIVREMENTE no Durão Barroso, não no Santana Lopes. O Durão dá à sola (ok, ele lá terá o direito de aceitar o prestigiado lugar que lhe foi oferecido...embora este assunto também tenha pano para mais mangas) e o Santana torna-se primeiro ministro por nomeações dentro do partido??? Por favor!!!
Quando o Guterres se demitiu, novas eleições forma feitas. E agora?? É diferente?? Porquê?? Por as razões serem diferentes, isto é, porque um achou melhor retirar-se e o outro arranjou algo melhor para fazer??
Está nas regras que quando o presidente do PSD se demite, vai-se a votos, dentro do partido, para o substituir. Ok. Mas isso dá-lhe direito de ser primeiro ministro?? Por favor???
Andaram os nossos pais a levar mocadas da PIDE para quê??? Para agora estarmos metidos numa ditadura laranja?? Posso estar a exacerbar o problema, mas uma questão, para mim muito importante, prevalece: o povo NÃO VOTOU neste primeiro ministro. A democracia falhou, ou melhor, nem sequer existiu neste processo!! Sou inflexivel neste ponto: este governo não tem legitimidade democrática absolutamente nehuma!!

Quanto à questão de um novo golpe militar, não me importava nada de estarmos a braços com uma nova revolução dos cravos...porque precisamos de uma revolução. Precisamos que este governo caia. Precisamos de novas eleições. Precisamos que a democracia volte.

É verdade o que o Ganda diz. As coisas, afinal, nunca estiveram bem. E, se tiver de escolher, escolho o presente ao passado. Não me agradaria nada ter de lidar com um governo de censura, ditadura e perseguição como o de Salazar!! As coisas estão mal em certos aspectos, mas ao menos podemos regozijar-nos de sermos livres pensantes. Acham que este blog existiria sequer no tempo de Salazar??? (partindo do principio que já havia internet na altura...entendem-me...)

Não me posso queixar, porque tenho tido sorte. A vida não me tratou mal, nem posso dizer que me falta muita coisa. É verdade que preciso de um emprego, como todos os recém-licenciados deste país. É verdade que preciso que Portugal reconheça e invista seriamente na Investigação Científica (e não que faça de conta que o faz). Mas fora isso não me posso queixar. Mas também não deixo de ver que podia não ter a sorte que tenho nessas coisas em que não me posso queixar...

ZP said...

Não me parece que esta nomeação tenha sido a melhor decisão dadas as circunstâncias. Vários economistas disseram na altura que a realização de eleições pouco ou nenhum impacto iriam ter sobre a economia. Além disso não foi apenas a manutenção de um governo com um diferente "cabecilha", mas a restruturação de todo o governo, que acabou por deitar abaixo o argumento da "estabildade". Neste momento temos um país governado por 2 indivíduos que são o expoente máximo do populismo demagógico (Santana e Portas), e por um governo incompetente que quer a todo o custo dominar os orgãos de comunicação social para nos poder deitar areia para os olhos sempre que lhes apetecer.
No entanto concordo que deve ser nas urnas que este governo deve cair, pois um golpe de estado militar nos dias que correm é coisa de um país do 3º mundo, que felizmente Portugal já não é.

Ana said...

Concordo com tudo o que o Zepe disse. E, atenção, quando eu falei numa nova revolução dos cravos era em sentido figurado. Lógico que este governo vai cair quando chegarmos às urnas.

Quanto a ir para os states, D.G., há quem possa e há quem não possa... ;-)

ganda said...

Pois em relação à nomeação, é realmente um assunto polémico. Duas ou três considerações: 1º as alternativas nos principais partidos politicos não eram grande coisa (não é que tenham melhorado); 2º ao não convocar eleições o presidente acelerou os processos de substituição dos líderes que vinha a decorrer em surdina no PS e no PCP, permitindo a que uma nova (??) vaga de politicos se afirme; 3º realmente há quem diga que eleições não alterariam o rumo da economia em portugal e há quem diga o contrário, por isso o presidente estava numa posição muito dificil; 4º Se a decisão do presidente não estivesse prevista na constituição ele não a podia ter tomado. Por isso somos todos culpados de quem está no governo e não só o presidente!

Duarte said...

Também não gostei da nomeação do Santana, no entanto, esse não é o problema de fundo... A verdade q é que embora nas eleições nós todos votamos num ou outro partido pois gostamos mais das pessoas que os representam no entanto em termos oficiais não estamos a votar as pessoas e apenas nos partidos. É um grande problema das eleições portuguesas.
Como já disse, sou um pouco anti-americano no entanto concordo mais com o sistema eleitoral deles (não com o metodo de contagem de votos!!!). No sistema deles vota-se na pessoa que queremos e desta forma podemos lhes atribuir responsabilidades quando eles sobem ao poder!

Em Portugal por exemplo se eu voto no PSD pela minha região as nomeações, segundo o numero de votos seguem uma lista de candidatos e por isso não sei se o meu voto irá contribuir ou n para que as pessoas para quis que o PSD subisse ao poder fossem lá parar.

Não sei se me estou a fazer entender, provavelmente não... por isso se alguêm quiser explicar melhor está à vontade!

De qq forma, sabendo que o sistema funciona assim já muito antes da nomeação eu estava contra este método e não fiquei de forma alguma surpreendido pela nomeação do Santana, agora uma coisa que achei muito engraçada é que o Santanda antes de subir ao poder já tinha feito comentários similáres aos meus... tb ele n concorda com este sistema mas este mesmo sistema o colocou no poder...

E assim vão as coisas no reino da tugalândia...

1 Abraço...

Duarte

Ana said...

Pois, o poder é uma coisa muito bonita, faz-nos logo mudar de opinião...